Irmandade
religiosa dentro do cenário católico no Brasil
Os europeus, se
consideram seres superiores, invasores e usurpadores das terras na África e na América,
não se preocuparam em conhecer ou compreender os seres inferiores: povo sem religião, sem lei, sem rei,
sem alma. Este tabu vem sendo derrubado pela antropologia atual, através do
estudo da étino-história das altas culturas africanas e do oeste americano, só
desta maneira, se conhecerá a alma africana e pré-colombiana, abandonando a
ideologia e a (h)istória distorcida.
As bulas
papais justificam a soberania dos colonizadores em detrimento a liberdade dos
nativos nos dois continentes, pois “pretendiam” ter como rebanho da Igreja os
povos africanos e do novo mundo. Os colonizadores acreditavam estar cumprindo
uma dupla missão, em seu papel de cidadãos honrados: “presentear os monarcas
com novos súditos, e, á Igreja, novos fiéis”.
A criação de
dioceses no Brasil, durante o período colonial, se dá no séc. XVI em 1551 na
Bahia (uma), no séc. XVII (três), igual número no séc. XVIII, e no séc. XIX,
nenhuma diocese foi criada. Os espanhóis no mesmo período edificou mais de cem
dioceses.
A Igreja no
Brasil, jamais desenvolveu uma missão anti-escravatura, sempre foi a grande
aliada do regime escravocrata e sua ideologia, ela fez do cristianismo um
exercício cínico de corretagem de negros.
A escravidão
humana jamais se explica à luz e na perspectiva do evangelho. A Igreja não
precisa de defensores, mas de pesquisadores que tragam esta verdade à luz nos
dias de hoje com uma analise coerente dos acontecimentos. Não se pode negar a
escravização que ocorreu no período colonial e imperial, onde a tolerância de
cristãos e das autoridades eclesiásticas foi uma vergonha indiscutível. Membros
da Igreja se acomodaram com a insustentável teoria das necessidades econômica
da colônia, como se isso justificasse o assalto da dignidade humana. A mensagem
cristã tem como germe a libertação do ser humano, portanto não combina com tais
atitudes. Mas a Igreja como instituição na sua longa caminhada histórica muitas
vezes não soube traduzir a mensagem salvífica em atitudes concretas.
Os negros
segundo a Igreja podem ser escravizados por causa do pecado original, alguns
teólogos dizem serem descendentes de Caim. Em conseqüência, a cor negra ficou
identificada como o sinal da maldição divina, e a escravidão imposta aos
negros, como expressão do castigo celeste. Outra versão está contida no texto
de Noé e a vinha (Gn 9, 18-27). A Igreja dos negros constituía, na realidade um
apêndice da Igreja oficial, onde os negros ocupavam um lugar ínfimo na sua
estrutura, decorrente da própria estrutura colonial.
A Igreja
carrega até hoje uma história pesada de convivência com a escravidão. Ela não
suporta de bom grado o julgamento da história e procura defender-se. Poucos
foram os clérigos movidos certamente pela mensagem evangélica que conseguiram
fazer algo de eficiente a favor da libertação dos nossos irmãos negros e
negras. Nos EUA, foi a Igreja da Reforma que se opôs ao martírio interposto
contra os escravizados, e aqui coube aos maçons da geração de Luís Gama, José
do Patrocínio, José Bonifácio de Andrade e Silva e Joaquim Nabuco... Isso
parece indicar que a fidelidade ao evangelho exige a formação de pequenos
grupos, enquanto a “Igreja grande” tem que compactuar com os poderes deste
mundo para conseguir sobreviver. Um estudo sobre padres e escravizados enuncia
uma ponderação sobre modelos de Igreja, pois, cada modelo eclesial tem sua
lógica interna, e a “Igreja grande” prefere a quantidade de seus membros sobre
a qualidade, enquanto que os pequenos grupos primam pela exigência da qualidade
de seus membros.
Como
observamos no mês de calendário de junho/2012, as africanos vivenciam o
cristianismo católico desde o seu nascimento, tanto que edificaram a primeira
Igreja cristã, e afirmamos que a grande maioria dos escravizados trazidos para
esta diáspora forçada, eram católicos, e não necessitavam de nenhuma forma de
salvação religiosa, necessitavam sim, de proteção contra as “potencias”
européias que ansiavam por riqueza e poder. O mundo parece ter esquecido, que o
maior fornecedor de ouro neste planeta até o século XVII foi a Nigéria, e o
maior fornecedor de operários ordenados para suprir as necessidades da messe do
Senhor atualmente é o continente africano.
Nenhum povo
inculto, em estado de selvageria, possuía um IDH superior aos hibéricos.
Em 1552
testemunhamos a ereção da primeira Irmandade dos Homens Pretos no Brasil,
trata-se da Irmandade do Rosário dos Escravos de Guiné, acentada na Igreja de
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na cidade de Goiânia (Pernambuco), foi o
começo da ereção de várias Irmandades dos Homens Pretos Escravos e Forros
evento afro-católico que os africanos trouxeram da sua raiz africana que se
espalhou nesta país continente, ou seja, não apreenderam as Irmandades no
Brasil.
Esta forma de
culto se difundiu e ao longo dos tempos foi criando uma característica impar na
evangelização, catequese e teologia católica, ao introduzir o quesito cor e
inculturação em uma Igreja
que se diz romana, que passa a incluir o estilo africano. 1682 – Igreja de N. Sra. do Rosário em
Belém/PA e na Igreja de N. Sra. da Conceição da Praia em Salvador/BA; 1708 em São João Del Rei/MG;
1711 na Igreja de N. Sra. do Rosário em São Paulo /SP; 1713 em Cachoeira do Campo/MG e
Sabará/MG; 1715 em Ouro
Preto /MG; 1728 em Serro/MG; 1754 em Viamão/RS; 1771 em
Caicó/RN; 1773 em Mostarda/RS; 1774 em Rio Pardo /RS; 1782 em Paracatu/MG.
Pensar na
religiosidade católica presente no Brasil a partir do séc. XVIII, diante da grande
quantidade de belas, ricas e suntuosas Igrejas, pode ponderar e, imaginar
erroneamente que o responsável por este cenário seja o Estado (padroado) ou a
Igreja. Entretanto, estas instituições exerceram papel secundário na relação
das práticas religiosas. Leigos desenvolveram uma religiosidade peculiar,
denominadas por irmandades e ordens terceiras. Um espaço celebrativo de
evangelização que aceitava todos: homens, mulheres, negros, brancos.
A Coroa
Portuguesa despreocupada com a religiosidade pouco ou nada fez na construção e
ereção de mosteiros e conventos.
Não houve
vínculo, ligação entre a instituição (Igreja) e o seguidor devocional dos
santos e santas do catolicismo implantado no Brasil. O ponto de referência
teológico foi desempenhado pelos santos protetores (padroeiros(as)) escolhidos
pelos irmãos de fé. O que se observa é a carência de diretores espirituais,
sacerdotes dotados de cristianismo exemplar, disposto ao trabalho comunitário e
a evangelização, somado ao diminuto clero para quantidade expressiva de fiéis,
e uma Igreja voltada e ancorada nos “poderosos”. Este quadro oferece os meios
necessários para florecer e desenvolver uma religiosidade voltada para uma
teologia, liturgia e catequese com características totalmente diferenciada do
cristianismo católico ocidental e oriental; no Brasil, o advento do
cristianismo católico se dá através da devoção dos santos e santas, com
destaque para diferentes oragos como: Rosário, Conceição, Carmo, Mercês,
Francisco, Gonçalo, Benedito, Elesbão, Aparecida etc.
As irmandades
se forjaram em meio à insegurança e instabilidade do meio social. A
sociabilidade se transformou em associações leigas que consagravam as imagens
padroeiras e a certeza da boa morte, revelando uma fundamental presença social
inserida nas práticas religiosas.
Em 1700 havia
mais de 40 irmandades espalhadas pela colônia e, estudar este fenômeno
religioso do povo negro é essencial para entender e compreender a cultura e a
sua base de fé. As Irmandades não encontraram barreiras para se desenvolverem e
por esta razão até o início do séc. XX, quando a romanização e medidas
preconceituosa obstaram a continuidade dos seus serviços, as Irmandades são
vistas como a geradora de um processo teológico que trouxe para o universo
colonial a única forma de missionarismo evangelizador. Sua contribuição,
infelizmente, podemos afirmar, não igualou as considerações culturais e sociais
entre brancos e negros, mesmo porque a igualdade perante Deus não se estendia à
vida terrena, apesar de todo avanço cristão conseguido com esta pratica
religiosa.
Destarte a
liberdade oferecida por parte dos portugueses, ao se criar novas Irmandades, a
Corte eximia-se da obrigatoriedade advinda do Padroado na criação, ereção e
manutenção de Igrejas. As maravilhosas Igrejas mineiras, por exemplo, que
enchem nossos olhos por seu contributo ao belo e ao sagrado, foram construídas,
mantidas e custeadas pelas Irmandades coloniais mineiras.
As Irmandades
dos negros adquiriram o direito de resgatar os escravizados, e concitou-se
Nossa Senhora das Mercês, como redentora dos cativos. Foram nestas agremiações
que a religiosidade do africano se juntou e se fundiu com a do colonizador, que
se sobressaiu à religião de matriz africana, porém, não a substituiu, pois a
culto aos Orixás, não esta afinada com o poder ditatorial dos senhores e da
Igreja. É o culto da resistência, é a Religião que não abriga o “senhor”.
A Irmandade
representa a Igreja dos afrodescendentes, trazidos forçados em uma diáspora
intercontinental para serem escravizados, espoliados e transformados aos olhos
do colonizador em coisas sem alma e sem nenhuma forma de direito. O culto aos
santos existiu e continua a ser cultuado face um descalabro do saber teológico,
da mesma forma que se beija a mão após o sinal da cruz. Nesta fase colonial, o
Pai Criador está muito longe “lá no céu”,
e se assemelha ao “todo poderoso senhor” do engenho, “senhor dos escravizados”,
“senhor de todo vivente nesta colônia”, que tudo faz, pode e manda. Esta
dicotomia leva os escravizados e todos os pobres a buscarem nos santos a
benfazeja intercessão na busca de purgar seus males, suas chagas, seus pecados,
e, assim conquistar a redenção.
Quanto aos
clérigos, eles simbolizam o poder, pois estão ao lado do poder, sendo um dos
braços que sustenta o sistema colonial e o Padroado, e também se sobressai como
possuidor de negros escravizados...
A Irmandade adquiriu no Brasil a base de sustentação e a única forma de
encontro do leigo com a Igreja, com a Divindade, uma vez que os poucos padres
que por aqui aportavam, estavam ligados diretamente ao “senhor”, ao todo
poderoso escravagista, que no auge da sua ignorância, tudo podia, era dotado de
poder de vida e de morte. Como a Igreja participava deste banquete, Deus, que
também tem o poder de vida e morte, servia de conflito entre as pessoas de boa
vontade, que não diferenciavam o Senhor da Vida, do “senhor” dos escravizados.
Diante desta teologia, a pratica religiosa torna-se dependente de uma divindade
de ligação entre o céu e a terra, uma força emergente que fará a ligação entre
os sofredores e a Trindade Divina (Pai-nosso que estás no céu... bem lá no céu,
lá no alto) e busca-se então um intermediário, um mediador, um padroeiro. E
assim dá-se início a devoção dos santos. E as Irmandades retratam, vivenciam,
possibilitam e desenvolve de forma inculturada no estilo africano esta forma de
devoção, por não necessitar do concurso do clero para expressar a sua
religiosidade, que vai do folguedo a oração, desfiando as contas do rosário.
Em razão do diminuto, frágil, pecaminoso, e até mesmo descrente clero,
as Irmandades tornaram-se a base de toda uma catequese e evangelização do povo
brasileiro. O africano trouxe este saber da África e aqui continuou a
desenvolver a sua formação comunitária e forma básica de amor e temor ao Deus
da Vida.
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