ESCRAVATURA E DIVERSIFICACAO LINGUISTICA
A
PROPOSITO DA PROTO - CRIOULIZACAO DE RAIZ “ANGOLANA” NO NOVO MUNDO
UMA SIGNIFICATIVA
DINAMICA DE INTERCULTURALIDE
* Por
Simão Souindoula
É a justa
apreciação que podemos fazer na sequencia da analise dos extraordinários
esforços de sobrevivência civilizacional que engajaram centenas de milhares de
“deportados” melano – africanos no intuito de conservar uma relativa identidade
e intercompreensão linguísticas nas Américas e Caraíbas.
O exame desta
evolução constituirá, portanto, a substancia do presente trabalho.
Um dos
aspectos dentre dos mais indicativos e previsíveis do tráfico negreiro
transatlântico e da escravidão no continente americano e no conjunto insular
caribenho foi o desencadeamento de diferentes processos linguísticos tais como
a proto – crioulização, a semi – crioulização ou a plena crioulização.
Este
desenvolvimento, que se estalara sobre quatro séculos, será pontuado,
invariavelmente, por diversas mutações tais como a alteração fonética, a perda
lexical, a mutação semântica, a aproximação analógica, a comparação metonímica,
a coexistência gramatical e a resistência das estruturas do corpus oral
(ditados, cantos, preces e formulas rituais).
Surgira
três tipos de crioulos, com dominantes lexicais, respectivamente, africana,
romana e anglo-saxã.
PROTO –
CRIOULIZACAO
Os
reagrupamentos massivos e cumulativos da mão-de-obra negra, linguisticamente
próxima, a sua marginalização social mas igualmente a criação pelos rebeldes,
de territórios livres no continente tríptico e o involuntário isolamento de
natureza insular dos cativos nas Caraíbas, permitiram o fortaleço dos crioulos
de base lexical, resultante das línguas “angolanas”.
Esta
evolução foi atestada em diversas regiões, e de maneira singularmente
significativa, na Colômbia e no Brasil.
E assim
que escravos rebeldes, maioritariamente, originários do famoso “Congo-Angola”, criaram, na antiga “Nueva
Grenada”, uma
dezena de espaços “livres”, dentre dos quais o da região de Tolu, o celebre “
El palenque de San Basilio”.
A língua
utilizada, durante muito tempo, nesta primeira localidade isentada de
forquilhas esclavagistas no continente americano, foi um falar crioulo baseado
nos referidos idiomas angolanos, quer dizer das línguas do antigo Reino do
Kongo - o kikongo - e da Colónia de Angola, os falares “bundu” e “benguela” - os actuais kimbundu e
ovimbundu.
O
interminável território brasileiro registou, entre os séculos XVII e XVIII, uma
quinzena de movimentos autonomistas que desembocaram a constituição de quilombos (do bantu, nlumbu, quintal, espaço).
Algumas
indicações de carácter antroponímico e toponímico parecem apontar o uso, nesses
redutos, de falares híbridos de base lexical maioritária bantu, derivando, para
o essencial, do bloco das línguas bantu ocidentais.
Por outro
lado, as reconstituições etno - linguísticas no Novo Mundo tais como as dos Cabindas,
Luangos, Congos, Ngolas, Mundongos, Casanjes e Benguelas, grupos originários, para o
essencial, do actual território nacional, deixam supor, igualmente, a
utilização, inevitável, de um falar crioulizado a dominante bantu.
Este tipo
de idioma facilitou, sem dúvida, a preparação das centenas de movimentos
insurreccionais e outras formas de resistência no tríptico continental e nas
explosivas ilhas das Caraíbas.
Com
efeito, as relações sobre essas acções insistem, sistematicamente, sobre a sua
dimensão etno – linguística. Astutos, os potenciais rebeldes reagruparam-se,
sempre, nas beatas “confradias”, “naciones” ou “companhias”.
ABRANDAMENTO
O tipo de
crioulos com base lexical maioritária bantu, será afrouxado sob a influência de
diversos factores de carácter económico (expansão da colonização de terras),
política (extensão da administração colonial) e social (expansão da utilização
veicular do espanhol, português, inglês e neerlandês).
O exemplo
o mais esclarecedor foi de Cuba onde a “lengua conga” ou a “ habla
conga” não se
cristalizou num verdadeiro crioulo.
Esses
falares regressarão ao estado de semi-crioulos ou de línguas híbridas.
No Brasil e na Colômbia, terras dos quilombos
e dos palenques, esta evolução foi atestada nos
Estados das Minas Gerais e de São Paulo, e nas zonas rurais do Pacifico
colombiano, do Taco e do Choco.
Esta
regressão linguística foi, igualmente, assinalada em Costa
Rica e nas
duas Guianas.
Na
verdade, o avanço modernista das línguas romanas e anglo-saxónicas foi tão
forte que quase em todas regiões do Novo Mundo, salvo na “mancha
niger ”
adjacente Cartagena de Índias e, naturalmente, em algumas ilhas das Caraíbas e
no famoso arquipélago norte – americano de Sea Islands, que estala-se ao longo
da Geórgia e Carolina do sul ate a ponta da Florida, terra do crioulo ngola,
gullah ou geeche, a estampilhagem das línguas
africanas se reduzira a sobrevivências lexicais, mais ou menos, significativa,
a imagem dos bantuismos, inglesados, anotados nas regiões meridionais dos
Estados Unidos, ou os que cunharam, definitivamente, o espanhol de Cuba.
Na
vintena de ilhas das Caraíbas, os crioulos com conteúdo lexical africano, e
particularmente, bantu, se cristalizarão na Antigua e Barbados, na Dominica, no Haiti, na Grenada, em Guadalupe, na Jamaica, na Martinica, em Monserrate, em Santa
Lucia, nas Antilhas
holandesas com o
bem veicular papiamento e no Suriname, com o taki - taki.
CONCLUSAO
A análise
que acabamos de apresentar sobre a evolução das línguas africanas no continente
tríptico e nas ilhas das Caraíbas põe em relevo uma notável constância, a da
dinâmica de trocas inter – linguísticas que ocorrerão entre os idiomas
ameríndias, subsaarianos e europeias.
Com
efeito, os falares da Alta e Baixa Guine e da contra costa moçambicana,
influenciaram no além -Atlântico, as línguas romanas e germânicas e não só.
Porque
apesar do facto de que, hoje, todos crioulos apresentam bases a dominância
romana ou anglo-saxã, a fracção lexical africana e mantida graças, sobretudo, a
musica e a religião.
Um dos
exemplos entre os mais reveladores e a inserção de 250, exactamente,
africanismos, e sobretudo bantuismos ou angolanismos , com as suas respectivas
proveniências etimológicas, no Dicionário de Houaiss, - o mais recente, da
Língua Portuguesa do clonado Brasil
Esta
aceitação académica confirma a contribuição de África, e particularmente, de
Angola, na fixação das particularidades das línguas latinas e germânicas em uso
no Novo Mundo.
E, e de
realçar que os aportes linguísticos, inéditos, de África nas outras línguas do
mundo, constituíram um dos grandes objectivos do Colóquio do Terceiro Festival
Mundial das Artes Negras, que teve lugar, no seu acto central, na senghoriana
cidade de Dakar, em Dezembro de 2010.
*
Historiador angolano Membro do Comitê Cientifico Internacional do Projeto da
UNESCO “A Rota do Escravo”