Leia a Entrevista concedida pela Presidenta
da República, Dilma Rousseff, durante visita a Adis Abeba para o Cinquentenário
da Unidade Africana (OUA) - União Africana
Presidenta: Boa tarde. Boa tarde, não, bom dia.
No Brasil é bom dia... mas como estamos falando para o Brasil vamos fingir que
agora é nove da manhã.
Jornalista: A senhora poderia fazer um balanço
da visita?
Presidenta: Faço, faço um balanço sim. Para nós
é muito importante a relação com o continente africano. Como eles dizem aqui,
nós consideramos também que há um renascimento africano nos últimos anos – eu
diria até na última década -, esse renascimento africano é responsável por
taxas expressivas de crescimento na África, inclusive, avaliações do Fundo
Monetário mostram que entre os países que mais vão crescer estão países
africanos. Nós temos tido um relacionamento intenso com os países africanos,
tanto na relação bilateral quanto na relação birregional. É o caso das relações
que nós estabelecemos entre a África e América Latina, entre a União Africana e
o Mercosul.
Mas,
sobretudo, eu acredito que aqui na África nós temos tido um grande empenho em
expandir as nossas relações culturais, comerciais e de investimento. Muitas
empresas brasileiras investem aqui na África e aumenta também a nossa relação
comercial. Para viabilizar e para tornar mais fluída essa relação – inclusive,
o Brasil que tinha um conjunto de dívidas com os países africanos, que eram
devedores do Brasil desde a década de 70, 80, nós viemos sistematicamente
resolvendo esses problemas para poder ter uma relação agora muito mais efetiva.
Daí porque temos encaminhado o perdão de dívidas. Não é a dívida integral, mas
é parte da dívida. Nós já perdoamos a dívida de nove países e encaminhamos mais
três. Nove já estão, eu diria assim, o processo concluído sendo submetido
alguns deles, ao Senado, e três estão em fase de conclusão. Isso é muito
importante para que a gente possa, de fato, estabelecer um padrão de relação
novo nessa época que é o século XXI e não ficar cobrando dívidas que tanto nós,
como eles, consideramos na verdade passadas.
Além
disso, hoje eu vou anunciar aqui dois grandes instrumentos para que a gente
possa ampliar as relações com a África. Um deles, o Brasil vai criar. Nós temos
uma agência que chama ABC. Mas essa agência ela é um departamento, na verdade,
do Itamaraty. Todos os grandes países têm agências internacionais de comércio.
Nós vamos criar uma agencia internacional de comércio para a África e para a
América Latina. É uma agência de cooperação, mas é uma agencia também
comercial. É uma agência para viabilizar investimento, enfim, é uma agência que
tem um escopo bastante grande. E ela, essa agência, ela tem por objetivo criar
um mecanismo através do qual as iniciativas que o Brasil toma não tenham de
passar por outros órgãos multilaterais. Você pode até fazer em parceria com a
ONU, mas geralmente as ações nossas na África são executadas por uma dessas
agências internacionais e não por nós diretamente, apesar de ser com recursos
nossos. Daí porque essa agência internacional de cooperação, de comércio e
investimento com os países africanos. E, além disso, também temos muita
preocupação em viabilizar financiamentos adequados. Não há no mundo quem amplie
suas relações comerciais sem ter créditos de supridores, ou seja, os chamados supplier
credits, aqueles que quem está vendendo assegura o comprador, que é outro
elemento fundamental dessa relação.
Eu
acredito que nós tivemos um processo muito intenso de ampliação tanto do
investimento privado brasileiro aqui na África, seja Embraer, seja empresas
produtoras de ônibus, seja grandes empreiteiras, fora aquelas empresas que cá
estabelecem, por exemplo, para assegurar material de construção civil – como me
deram o exemplo agora a pouco numa reunião que eu estive – enfim, tudo isso tem
de configurar um quadro de ampliação do investimento. E nós somos muito gratos
aos países africanos por que acreditamos que para a eleição do nosso
representante na OMC, nós tivemos um grande suporte. Não sabemos quanto, mas
temos assim uma avaliação de um grande suporte desses países. Eu tive quatro
reuniões bilaterais: com a Guiné-Conacri, com o Gabão, o Quênia e o Congo-Brazzaville.
Não pude fazer mais porque não deu espaço temporal, apesar de ter vários países
que pedem agenda conosco, o que evidencia que nós temos também uma relação, eu
acho assim, vista pelos africanos como qualitativamente adequada. Uma relação
que a gente chama de Sul-Sul, na qual você vê vantagens mútuas e não uma
relação de superioridade ou que utiliza a relação comercial para outros fins.
Então, acredito também que esse aspecto extremamente amigável da relação
brasileira seja muito importante.
Agora
uma coisa é verdade: nós somos o maior país afro-descendente da diáspora
africana. Nós, reconhecidamente, temos a metade da nossa população
afro-descendente. Também por isso nós temos raízes comuns. Um veio muito
importante da formação da nossa nacionalidade é – vamos dizer assim – ele tem
sua raiz forte na cultura de diversa, também porque a África não é uma só, na
diversa cultura aqui dessa região do mundo. É basicamente isso.
Jornalista: Eu queria que a senhora comentasse
os boatos ...
Presidenta: Olha, minha querida, eu sei. Eu não
posso comentar sabe por quê? Porque seria uma temeridade, a investigação não
está concluída ou pelo menos não estava até ontem a noite para nós.
Jornalista: A senhora tem tido feedbacks
frequentes?
Presidenta: Até agora eu não tive nenhuma
informação conclusiva. Eu não posso me manifestar por impressões ou por outras
questões desse tipo.
Jornalista: A Caixa fez uma alteração no
pagamento dos benefícios naquele sábado?
Presidenta: Não. A Caixa... eu li a nota da
Caixa. O que ela admite é que ela está em transição de um sistema e suspendeu
de fato uma pessoa do pagamento e que ela teria pago essa pessoa por causa
dessa transição. Isso explica o pagamento dessa pessoa, mas não explica porque
a Caixa tinha um nível de pagamento e esse nível mais que dobrou. Não explica a
corrida à Caixa. Isso explica esse caso específico. Mas ainda não explica o
porquê da quantidade de pessoas que procuraram a Caixa no sentido de receber.
Nós
não podemos, não há ninguém no governo que possa dizer já - pelo menos até
ontem, pode ter evoluído hoje – possa dizer o que ainda aconteceu. Eu acho que
tem de ter muito critério para olhar isso, até porque tem de ser... se ocorreu
alguma coisa, é crime contra a economia popular. Caracteriza crime contra a economia
popular.
Jornalista: Mas a senhora está convencida de que
foi uma ação orquestrada?
Presidenta: Eu não estou convencida de nada.
Sabe por quê? Vou repetir: seria uma absoluta leviandade da minha parte dizer
foi isso ou foi aquilo. Se nós mandamos investigar... nós mandamos investigar,
então, nós temos de esperar o resultado da investigação para dizer: foi isso ou
foi aquilo.
Jornalista: Previsão de quando a investigação
termina?
Presidenta: Não, eu não tenho.
Jornalista: A senhora comentou que foi um fato
lamentável?
Presidenta: Não, eu acho um episódio lamentável
porque, justamente por este aspecto. Do tamanho que ocorreu, porque podia ser
uma coisa localizada... se entende, né, vários estados e pela dimensão e a
quantidade de pessoas. E é muito lamentável porque as pessoas de mais baixa
renda do país, pessoas que precisam disso na sua vida diária e, portanto, foram
atingidas naquilo que é muito caro para elas. Eu lamento o medo que essas
pessoas tiveram de perder um benefício, que é um benefício cidadão. É devido a
elas não por uma questão que A, B ou C garantiu, mas por um direito do estado.
Eu acho que é um avanço de cidadania. Aqui na África a gente sabe o valor que
eles dão a essa tecnologia social nossa que é conseguir tirar da pobreza 36
milhões de pessoas. Requer bancos, requer cadastro, requer cartão. É algo que,
inclusive, é cidadão. Porque nós não admitimos que haja intermediários entre
esse pagamento e a pessoa.
Jornalista: O episódio demonstra que há falhas
que precisam ser ajustadas no sistema?
Presidenta: Olha, eu acredito que esse é um dos
processos mais bem sucedidos do Brasil. Nós sabemos que é fundamental
monitorar. Tanto é que nós temos auditoria sistemática sobre esse processo. Nós
incluímos dentro do Bolsa Família todos os mecanismos capazes de assegurar que
cada vez ele se aprimora mais. Nós não achamos que o dia que a gente começou a
fazer o Bolsa Família, ele estava pronto. Nós construímos isso ao longo de dez
anos. Você sabe por que eu acredito que a tecnologia do Bolsa Família é uma
tecnologia bem sucedida? Primeiro porque ele tem dez anos de vida. Segundo
porque nós aprimoramos estruturas – veja você o que é um país que deu um passo
à frente. Nós aprimoramos a seguinte estrutura: usamos a tecnologia da
informação mais sofisticada possível para resolver um problema dos mais
atrasados do ponto de vista da civilização, que é pessoas abaixo da linha da
pobreza. Então o Brasil é capaz disso.
Quando
eu falo sobre o Bolsa Família eu acho que seria um simplismo total dizer que o
Bolsa Família é pura e simplesmente uma distribuição de recursos, ou como
alguns diziam no Brasil, um Bolsa Esmola. O Bolsa Brasil [Família] é uma
sofisticada tecnologia para garantir o quê? O aumento da igualdade no nosso
país, o aumento da igualdade.
Jornalista: Com isso, a senhora acha que é pouco
provável que tenha acontecido uma falha que causasse um transtorno tão grande
quando a senhora diz que essa tecnologia é tão avançada?
Presidenta: Olha, nós somos humanos. Pode ter
tido falhas. O que eu estou dizendo é o seguinte: não é uma falha tópica que
explica doze estados. Então, a Polícia Federal e a segurança da Caixa vão
procurar todos os motivos e vão elencá-los todos. O que a gente pode tirar de
bom disso? De bom disso a gente pode tirar que nós vamos estar sempre mais
atentos agora para essa possibilidade. Porque durante dez anos não houve isso.
Nunca houve isso nesses últimos dez anos. Agora, você vai ter de incorporar a
seus mecanismos através dessa auditoria, mais isso, nós vamos saber que é
possível que haja corridas. Então, esse processo é muito importante que seja
transformado num ganho para o programa Bolsa Família.
E
aí você veja uma coisa: uma das coisas que eu achei muito positivas por parte
da Caixa e do Ministério do Desenvolvimento Social, foi que eles conversaram
diretamente, eles têm como conversar diretamente com aquela família que está
recebendo o beneficiário e explicar que não ocorreu nada. Agora, é algo que
vocês me perguntam: tem falhas? Todo processo pode ter falhas. Não há processo
que não tenha falhas. O que você faz é garantir que eles sejam o menos passível
de ser objeto de ou uma tentativa externa ou alguma falha interna.
Jornalista: A oposição pode estar por trás disso?
Presidenta: Não, jamais manifestaria nesse
sentido, jamais. Por quê? Porque nós não concluímos, não há nenhum indício que
permita dizer que é A, B, C ou D. Não há esse indício enquanto não houver
nenhuma avaliação concreta... aliás, alguma avaliação concreta e profunda, nós
não emitiremos opinião. Não há ninguém no governo autorizado a dizer qualquer
coisa sobre esse processo, a não ser esse que eu digo para vocês. Estamos
empenhados na investigação por dois motivos: um por que... pode ter sido um
delito. Dois, porque nós temos de aprender com todos os episódios que ocorrem.
Jornalista: O PMDB, partido da base aliada da
senhora, parte dele aprovou a instalação da CPI da Petrobras. A senhora
acredita que uma CPI neste momento é conveniente? Pode arranhar a imagem da
empresa?
Presidenta: Olha, poder arranhar a imagem da
empresa, não acredito. Aliás, eu gostaria de comentar com vocês a grande
notícia que honra e, eu vou dizer para vocês, mais do que honra, coloca um país
com um processo diante de si um horizonte de crescimento extraordinário. A
Petrobrás, como representante... como empresa, mas principalmente o Brasil como
possuidor de reserva tem agora uma imensa riqueza provada com essa licitação do
Campo de Libra.
Jornalista: É recorde?
Presidenta: Não, não é recôncavo. Você falou
recôncavo?
Jornalista: Recorde.
Presidenta: Ah, recorde! É verdade. Não só...
ela não é recorde só. Se você considerar todas as reservas que nós acumulamos
desde que a Petrobras começou a explorar petróleo no Brasil. Daquela época até
hoje, nós acumulamos em torno de 14 bilhões de reserva de petróleo equivalente.
Este Campo de Libra, só ele, que é um dos campos do pré-sal, pode ter entre
oito a doze. Veja bem que nós conseguimos em cem anos, quinze. De oito a doze
é... vamos assim, na média, é em torno de dois terços do que nós temos hoje.
Isso significa que o Brasil tem a possibilidade de explorar um nível de
produção de petróleo que nunca teve antes concentrada num só campo. Isso
implica renda, implica capacidade de demanda à indústria naval, significa que
nós temos hoje um horizonte de nos transformamos num país com uma posição, no
mundo do petróleo, extremamente diferenciada e estratégica.
Jornalista: E a CPI?
Presidenta: Olha, eu acho que a CPI não é algo
que o Executivo decida se vai ou se não vai fazer. Lamento, lamento porque não
vejo nenhum motivo para tal. Agora, não decido sobre isso, não voto sobre isso.
Jornalista: É chantagem política, presidenta?
Presidenta: Não vou me manifestar sobre coisas
que eu não conheço perfeitamente. Não sei quais são os objetivos disso. Não vou
me manifestar. Eu vou me manifestar sobre o que eu conheço. E eu conheço o que
tem em Libra. Nós fizemos sísmica 3D, a presidente da ANP, a doutora Magda
Chambriard foi precisa na sua avaliação, ela mostra o que significa isso em
termos do mundo do petróleo. É, talvez, a maior - é nesse sentido que você
falou, recorde, né? - é a maior licitação de um campo não só em termos do seu
potencial, mas nós sabemos que é provado, tem petróleo lá, não é uma descoberta,
ou seja, esse campo não vai ser ainda explorado, aliás, prospectado. Ele vai
diretamente ser explorado. Porque geralmente você prospecta e depois você
explora. Nós vamos... porque tem um poço furado, tem um poço furado que mostra
o potencial dele e sísmica 3D que eles passaram todos os dados para Londres
confirma esse potencial. E vou dizer para vocês: essa é a maior notícia em
termos de Brasil dos últimos anos
Jornalista: Presidenta, a senhora fica
desgostosa que o PMDB, o principal aliado, com algumas atitudes que vão contra
os interesses do governo dentro do Congresso, se isso de algum modo pode
arranhar o palanque, as alianças no Rio de Janeiro?
Presidenta: Olha, nós temos uma aliança bastante
estável e sólida com o PMDB. O vice-presidente Temer, ele tem sido uma pessoa
bastante importante nessa aliança, na estabilidade dela. Diferenças num regime
democrático sempre ocorre. Elas não são tão relevantes assim. Eu acredito que
se tem uma aliança que está bastante testada, porque ela foi testada, ela não é
uma aliança que nós construímos ontem, ela tem uma certa durabilidade, ela foi
testada. Nós estamos a 2 anos e 4 meses compartilhando com eles o governo,
aliás, com toda a base aliada. Nós temos uma grande estabilidade. Há
flutuações, porque também há interesses momentâneos desse ou daquele segmento.
Nós não vemos nenhum problema nas relações com o PMDB, nenhum.
Jornalista: São episódios pontuais?
Presidenta: São e não são significantes do ponto
de vista da qualidade da aliança com o PMDB.
Jornalista: A senhora poderia detalhar a questão
do perdão da dívida, quais países serão beneficiados além do que já foi
aprovado pelo Congresso?
Presidenta: Não, a gente sempre tem de primeiro
negociar. Depois que você negocia quanto da dívida que você vai perdoar, você envia
ao Congresso.
Jornalista: Qual o valor?
Presidenta: Não, eu não sei de cabeça qual é o
valor, não, porque eu vim direto para cá. Mas, é em torno de, isso eu sei, nove
países que nós já concluímos. O que nós fizemos? Nós já negociamos com eles, já
foi aprovado pela Fazenda e nós encaminhamos para o Senado. Faltam três. Três
ainda não se completou a negociação. o sentido dessa negociação é o seguinte:
se nós não conseguirmos estabelecer esse perdão da dívida, pelo menos de parte,
é como faz, por exemplo, o Clube de Paris, que também tem com eles essa
negociação. Se eu não consegui estabelecer essa negociação, eu não consigo ter
relações com eles tanto do ponto de vista de investimento, de financiar
empresas brasileiras nos países africanos e muitas vezes também em relações
comerciais que envolvam maior valor agregado. Então o sentido é uma mão dupla.
Beneficia o país africano e beneficia o Brasil.
Jornalista: Presidenta, a escolha do ministro
Barroso para o STF levou seis meses. Foi muito difícil escolher o nome dele?
Presidenta: Não. Foi o tempo necessário.
Jornalista: O que a senhora espera dele no STF?
Presidenta: Espero que ele seja um grande
ministro.
Jornalista: Há uma expectativa de que ele possa
mudar de alguma maneira o julgamento do mensalão?
Presidenta: Nós não avaliamos esse aspecto. Ele
é um grande constitucionalista, foi escolhido pela biografia dele. Ele não é
uma pessoa que a gente precisa de explicar de forma muito demorada porque
escolheu. Ele tem uma biografia, ele construiu essa biografia fora do Supremo e
eu acredito que ele entra no Supremo numa condição bem adequada porque ele vai
contribuir como um grande constitucionalista que é para o Supremo.
Jornalista: Ele deve ser o relator do mensalão
mineiro?
Presidenta: Não tenho a menor ideia de quem vai
ser. E duvido que você tenha também. Que eu saiba não está nada decidido.
Também não sei... eu não tenho certeza disso.
Jornalista: E a economia vai bem, presidenta?
Presidenta: Olha, nós estamos... eu acho quando
eu vejo a situação internacional, principalmente da Europa, eu acho que a nossa
economia, para todas as circunstâncias da crise internacional, ela vai bem. Nós
sempre quereremos, iremos querer que ela vá melhor. Faz parte disso querer que
vá melhor.
Jornalista: E os juros?
Presidenta:
Eu não falo sobre juros.
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