terça-feira, 13 de agosto de 2013


ESCRAVATURA E DIVERSIFICACAO LINGUISTICA
A PROPOSITO DA PROTO - CRIOULIZACAO DE RAIZ “ANGOLANA” NO NOVO MUNDO
UMA SIGNIFICATIVA DINAMICA DE INTERCULTURALIDE

* Por Simão Souindoula

É a justa apreciação que podemos fazer na sequencia da analise dos extraordinários esforços de sobrevivência civilizacional que engajaram centenas de milhares de “deportados” melano – africanos no intuito de conservar uma relativa identidade e intercompreensão linguísticas nas Américas e Caraíbas.
O exame desta evolução constituirá, portanto, a substancia do presente trabalho.
Um dos aspectos dentre dos mais indicativos e previsíveis do tráfico negreiro transatlântico e da escravidão no continente americano e no conjunto insular caribenho foi o desencadeamento de diferentes processos linguísticos tais como a proto – crioulização, a semi – crioulização ou a plena crioulização.
Este desenvolvimento, que se estalara sobre quatro séculos, será pontuado, invariavelmente, por diversas mutações tais como a alteração fonética, a perda lexical, a mutação semântica, a aproximação analógica, a comparação metonímica, a coexistência gramatical e a resistência das estruturas do corpus oral (ditados, cantos, preces e formulas rituais).
Surgira três tipos de crioulos, com dominantes lexicais, respectivamente, africana, romana e anglo-saxã.
PROTO – CRIOULIZACAO
Os reagrupamentos massivos e cumulativos da mão-de-obra negra, linguisticamente próxima, a sua marginalização social mas igualmente a criação pelos rebeldes, de territórios livres no continente tríptico e o involuntário isolamento de natureza insular dos cativos nas Caraíbas, permitiram o fortaleço dos crioulos de base lexical, resultante das línguas “angolanas”.
Esta evolução foi atestada em diversas regiões, e de maneira singularmente significativa, na Colômbia e no Brasil.
E assim que escravos rebeldes, maioritariamente, originários do famoso “Congo-Angola”, criaram, na antiga “Nueva Grenada”, uma dezena de espaços “livres”, dentre dos quais o da região de Tolu, o celebre “ El palenque de San Basilio”.
A língua utilizada, durante muito tempo, nesta primeira localidade isentada de forquilhas esclavagistas no continente americano, foi um falar crioulo baseado nos referidos idiomas angolanos, quer dizer das línguas do antigo Reino do Kongo - o kikongo - e da Colónia de Angola, os falares “bundu” e “benguela” - os actuais kimbundu e ovimbundu.
O interminável território brasileiro registou, entre os séculos XVII e XVIII, uma quinzena de movimentos autonomistas que desembocaram a constituição de quilombos (do bantu, nlumbu, quintal, espaço).
Algumas indicações de carácter antroponímico e toponímico parecem apontar o uso, nesses redutos, de falares híbridos de base lexical maioritária bantu, derivando, para o essencial, do bloco das línguas bantu ocidentais.
Por outro lado, as reconstituições etno - linguísticas no Novo Mundo tais como as dos Cabindas, Luangos, Congos, Ngolas, Mundongos, Casanjes e Benguelas, grupos originários, para o essencial, do actual território nacional, deixam supor, igualmente, a utilização, inevitável, de um falar crioulizado a dominante bantu.
Este tipo de idioma facilitou, sem dúvida, a preparação das centenas de movimentos insurreccionais e outras formas de resistência no tríptico continental e nas explosivas ilhas das Caraíbas.
Com efeito, as relações sobre essas acções insistem, sistematicamente, sobre a sua dimensão etno – linguística. Astutos, os potenciais rebeldes reagruparam-se, sempre, nas beatas “confradias”, “naciones” ou “companhias”.
ABRANDAMENTO
O tipo de crioulos com base lexical maioritária bantu, será afrouxado sob a influência de diversos factores de carácter económico (expansão da colonização de terras), política (extensão da administração colonial) e social (expansão da utilização veicular do espanhol, português, inglês e neerlandês).
O exemplo o mais esclarecedor foi de Cuba onde a “lengua conga” ou a “ habla conga” não se cristalizou num verdadeiro crioulo.
Esses falares regressarão ao estado de semi-crioulos ou de línguas híbridas.
No Brasil e na Colômbia, terras dos quilombos e dos palenques, esta evolução foi atestada nos Estados das Minas Gerais e de São Paulo, e nas zonas rurais do Pacifico colombiano, do Taco e do Choco.
Esta regressão linguística foi, igualmente, assinalada em Costa Rica e nas duas Guianas.
Na verdade, o avanço modernista das línguas romanas e anglo-saxónicas foi tão forte que quase em todas regiões do Novo Mundo, salvo na “mancha niger ” adjacente Cartagena de Índias e, naturalmente, em algumas ilhas das Caraíbas e no famoso arquipélago norte – americano de Sea Islands, que estala-se ao longo da Geórgia e Carolina do sul ate a ponta da Florida, terra do crioulo ngola, gullah ou geeche, a estampilhagem das línguas africanas se reduzira a sobrevivências lexicais, mais ou menos, significativa, a imagem dos bantuismos, inglesados, anotados nas regiões meridionais dos Estados Unidos, ou os que cunharam, definitivamente, o espanhol de Cuba.
Na vintena de ilhas das Caraíbas, os crioulos com conteúdo lexical africano, e particularmente, bantu, se cristalizarão na Antigua e Barbados, na Dominica, no Haiti, na Grenada, em Guadalupe, na Jamaica, na Martinica, em Monserrate, em Santa Lucia, nas Antilhas holandesas com o bem veicular papiamento e no Suriname, com o taki - taki.
CONCLUSAO
A análise que acabamos de apresentar sobre a evolução das línguas africanas no continente tríptico e nas ilhas das Caraíbas põe em relevo uma notável constância, a da dinâmica de trocas inter – linguísticas que ocorrerão entre os idiomas ameríndias, subsaarianos e europeias.
Com efeito, os falares da Alta e Baixa Guine e da contra costa moçambicana, influenciaram no além -Atlântico, as línguas romanas e germânicas e não só.
Porque apesar do facto de que, hoje, todos crioulos apresentam bases a dominância romana ou anglo-saxã, a fracção lexical africana e mantida graças, sobretudo, a musica e a religião.
Um dos exemplos entre os mais reveladores e a inserção de 250, exactamente, africanismos, e sobretudo bantuismos ou angolanismos , com as suas respectivas proveniências etimológicas, no Dicionário de Houaiss, - o mais recente, da Língua Portuguesa do clonado Brasil
Esta aceitação académica confirma a contribuição de África, e particularmente, de Angola, na fixação das particularidades das línguas latinas e germânicas em uso no Novo Mundo.
E, e de realçar que os aportes linguísticos, inéditos, de África nas outras línguas do mundo, constituíram um dos grandes objectivos do Colóquio do Terceiro Festival Mundial das Artes Negras, que teve lugar, no seu acto central, na senghoriana cidade de Dakar, em Dezembro de 2010.
* Historiador angolano Membro do Comitê Cientifico Internacional do Projeto da UNESCO “A Rota do Escravo”

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